terça-feira, 15 de abril de 2014

FURTO FAMÉLICO

Consiste na subtração de alimentos para matar a fome, praticado em tais condições que caracterizam o estado de necessidade do agente, tornando-se uma descriminante.
A possibilidade de subsistência alimentar é o requisito mínimo a uma existência humana com dignidade, sendo este um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 no seu artigo 1º, inciso III. 


Foi roubar porco, e por pouco não
 é linchado pela população
   furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, que é legalmente previsto como excludente de ilicitude no artigo 24 do Código Penal Brasileiro, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária à sua subsistência.
É impossível o reconhecimento do furto famélico quando o acusado, além de não comprovar sua miserabilidade, adentra o veículo do ofendido pretendendo subtrair aparelhos eletrônicos ou qualquer outra coisa de valor, pois, para a caracterização de tal excludente, imprescindível a subtração de alimentos, de modo a saciar a eventual necessidade de se alimentar o réu.
A mera existência de dificuldade econômica não caracteriza o furto famélico, ante a necessidade de comprovação de perigo atual que justifique o sacrifício de bem alheio, devendo esta dificuldade inviabilizar a própria sobrevivência do agente ou de sua família.
É inexigível uma conduta diversa quando o agente furta um alimento para saciar a sua fome ou de seus familiares.

 “... Em 1928, a antiga Liga das Nações inscrevera o problema da alimentação dos povos entre os temas de sua permanente atuação, fazendo realizar, sob o patrocínio de sua Organização de Higiene, inquéritos em diferentes países e dando publicidade a alguns valiosos relatórios sobre o assunto. Das primeiras pesquisas realizadas com método e rigor científico, nas mais variadas regiões da Terra, ficou demonstrado o fato alarmante de que mais de dois terços da humanidade vivem em estado de permanente fome... A demonstração mais efetiva dessa completa mudança da atividade universal em face do nosso tema foi a realização da Conferência de Alimentação realizada em Hot Springs, a primeira realizada pelas Nações Unidas para tratar dos problemas fundamentais, visando a reconstrução do mundo após-guerra. Nessa Conferência, reunida em 1943, quarenta e quatro nações, através dos seus técnicos no assunto, confessaram, sem constrangimentos, as condições reais de alimentação dos respectivos povos e planejaram medidas conjuntas para que fossem apagadas ou, pelo menos, clareadas nos mapas mundiais de demografia qualitativa, aquelas manchas negras que representam núcleos de populações subnutridas e famintas; populações que exibem em suas características de inferioridade antropológica, em seus alarmantes índices de mortalidade e em seus quadros nosológicos de carências alimentares – beribéri, pelagra, escorbuto, xeroftalmia, raquitismo, osteomalácia, bócios endêmicos, anemias, etc. – a penúria orgânica, a fome global ou específica, de um, de vários, e, às vezes, de todos os elementos indispensáveis à nutrição humana” (JOSUÉ DE CASTRO, Geopolítica da Fome, 1º vol., 8ª edição, pp. 53/54, 1968)
Com a famigerada mundialização que vorazmente “arrancou” nos anos oitenta, vestida com o fraque do neoliberalismo, e, com ele, o desemprego em massa e outras mazelas, essa situação elevou em muito os números preditos em todos os ângulos da Terra, mormente em países como o nosso onde se pratica, às escâncaras, o paliativismo para não dizer a nutrição placeba. Para que maior crime contra a humanidade senão desviar dos seus fins, em prol da pecúnia prostituída, os alimentos que irão saciar ou amainar a fome de tantos compatriotas à míngua?! O desvio da merenda escolar é um exemplo avassalador. Portanto, ninguém em sã consciência haverá, em nome do Direito, de queixar-se de atos nunca dantes imaginados. Não podemos silenciar, sob pena de compactuarmos com esse extermínio propositado de milhões de seres humanos, nossos iguais em espécie. Como dizia ALCEU AMOROSO LIMA, do alto da sua colossal vocação libertária e humanística: “A vida moderna, por exemplo é inimiga do silêncio. E tudo devemos fazer para o defender contra ela. Mas quando são as próprias circunstâncias dessa vida moderna, e dos seus aproveitadores, que impõem o silêncio, este se converte na maior negação de si mesmo. E nos defrontamos, então, com aquela hipertrofia do ótimo que nos leva diretamente ao péssimo” (Trecho de Os Dois Silêncios, 26.04.1974).

Fonte
·         Greco, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 6. Ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2012.
·         Luiz de Carvalho Ramos. Direitonet.com.br 16/04/2014 17:00 h

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